Uma coleção de imagens sobre imagens sobre um cômodo nº2
uma cama por arrumar:
lençóis revirados sem lógica ou brilho
embora o quarto cheire todo a cigarro
o travesseiro exala canela sal e
xampu
é incrível a facilidade com que
os aromas se separam
como se já soubessem quando não
pertencem
um ao outro.

dois instrumentos
(provavelmente um baixo e
uma guitarra ou uma guitarra
e um violão) devidamente protegidos
mantém-se de pé te forma tão
desajeitada
que podem estar intocados naquele canto
há um minuto ou há quatro
anos

o tempo não existe
a não ser para as pessoas...
uma foto não envelhece
uma imagem não envelhece
uma guitarra (ou um baixo ou um violão)
nunca reclamariam da demora
os livrinhos de citação em cima da mesa
de madeira
não sabem que horas são e quantos
anos eles
têm
(ou tiveram)

dizem que o movimento cria
a vida
da inação, entretanto, vem a poesia
quando um tictac ecoa, ela se quebra
desaparece em flashbacks roxos
e nunca mais é vista
(não essa, pelo menos)

tento torcer uma corda,
às vezes.
para me ligar de um
lugar ao outro, do que eu fiz
e esqueci e do que não fiz mas não esqueço
tento gravar nos fios, em códigos extravagantes
as palavras que poderiam mudar
o sentido de
tudo.
mas sendo a memória tão efêmera
e frágil como grão de poeira,
esqueço como se
lê o que
eu mesma escrevi.

em uma daquelas gavetas
ou nas milhares de pequenas pilhas
de livros que empesteiam a mesa,
há de haver uma carta.
haverá também um cartão postal
um autógrafo um lápis um clipe
tudo perdido na atmosfera gelada
da inconsciência.
intocados, despertam minha inveja
uma inveja pontuda de
quem não consegue ser, nem
por um momento,
parada e silenciosa

quiçá a carta seja uma conta
de cartão de crédito esquecida
o cartão postal, de São Paulo
e o autógrafo contenha a caligrafia do
Paulo Coelho
sem saberem o que são, têm uma calma
tão mais luxuosa que
a minha (que também não sei)

eu poderia abrir o guarda-roupa branco
e descobrir observando as roupas
a idade aproximada, sexo e gosto
em
moda
de quem possui esse quarto

prefiro não fazê-lo
e deixar que a curiosidade
não seja assassinada pela
monotonia do saber
dessa vez.
há beleza, também
em flores sem nome

embora eu não possa deixar
de notar que no vaso que se
ergue disfarçadamente
do meio dos livros,
quem libera o sutil cheiro
(quase apagado pelo de tabaco)
seja
definitivamente
uma camélia.