De uma noite sem estrelas e sem luar
se eu ao menos tivesse cabelos mais longos, me trançaria ao seu redor e orbitaria em ti feito satélite. mas meus fios são quebradiços, amor, e a  realidade gravitacional interfere em meus planos. ser sistema solar nunca foi o meu forte! as minhas rotas são tão bruscas que tenho medo de virar meteoro e acabar com seus dinossauros, sabe? essas coisas grandiosas me apavoram, assim como você também o faz. ainda não medi minha força de cometa, não sei ser estrela cadente tampouco. de noite, te acolho como um manto quente de grama ou um sopro frio de silêncio. mas se você olhar bem pro alto, vai me achar valsando por aí.

talvez nem valsa seja. esse tango americano é tudo que eu tenho a oferecer. não chega a ser samba, não tem gosto de salsa: meu pão de açúcar está sem cobertura, e o rio de janeiro não é mais tão lindo. a confeitaria eu fiz em casa, a pizza queimou um pouco, perdi meu relógio, mas ainda tenho tempo. compro um cuco se você quiser, em estilo europeu, e nunca mais esqueço se é meia-noite. ainda embrulho o danado em papel prateado, escondo lá fora se você quiser ficar na cama até mais tarde. deixo ele dormir no próprio ninho, como o pássaro que deveríamos ser.

ou então deito em seu peito e derramo e transbordo e soluço minha poesia gélida. juro que não te molho! vou ter papel pra secar. é só porque nadar em mim mesma com você como jangada é mais seguro. me dá vontade de criar um Titanic e desaguar num labirinto d'água, meu amor. te mostrar meu mar azul. sei que é exagero:  às vezes chove no litoral, os meteorologistas vivem alertando. se não houver terra a vista, senta e joga truco, docinho, eu não sei as regras mas prometo interpretar. te leio o jornal de domingo. não é motivo de rebuliço, porque hoje já é quarta e o caderno de esportes embolorou. mas a vida em auto-mar é cheia de tormentas, certo? quem não vai até o fim, não dança com os golfinhos.

se a boia não furar, a gente não se afoga. se a galáxia não chacoalhar, minha elipse a sua volta continuará perfeita. os dinossauros a gente preserva em fósseis. e iceberg, meu amor? a gente derrete. vira o timão para o outro lado. foge, pensa, grita. mas bater? bater está fora de questão. a maresia não deixa. o seu tsunami não deixa. o Cruzeiro do Sul puxa a gente feito ímã para longe.

e no céu, ah amor, no céu a gente deve sempre confiar.