Das montanhas cheias de árvores que nevam.
Um cursor piscando. Tudo ao meu redor, de alguma forma, pisca. Não como fazem as luzes de Natal, de um modo mais parecido como o breve momento entre o fechar e o abrir dos olhos. Esse tipo de escuridão é confortável. O abraço negro do quarto na hora de se deitar; a penumbra que um vaso faz no chão. É algo breve, quase passa sem ser notado. Para ser completamente sincera, não consigo nem descrever totalmente. Em parte por ser um tanto incompreensível. Mas o que são as coisas incompreensíveis, senão apenas elementos simples que não observamos por tempo suficiente?

Talvez seja mais fácil deixar de ser tudo que eu era para me tornar algo completamente novo. Eu não sei muito bem. Acontece que qualquer promessa que eu invente é piscante também ― e eu não sei se é de jeito estável. Então o que eu faço é abrir os braços e esperar ser levada com o vento, como fumaça, como ácido, como algo volátil. Como se eu fosse outro tipo de pessoa.

Não é desespero, ou eu espero que não seja. Porque eu nunca conheci um que se assemelhasse a esse. É mais uma sutilidade gradual, algo que se alcança com o tempo, uma espécie de mantra. A diferença é que eu nunca soube muito bem qual seria o gosto desse momento: apesar de ele estar sempre presente na minha imaginação, era muito mais uma idealização platônica do que um desejo palpável. Era uma escalada, e não uma escada. E só Deus sabe como minhas mãos escorregam facilmente.

Mas agora isso chegou, e chegou de modo tão súbito e natural que não sei se eu tomo um susto ou acho irônico. Então, justamente por essa dúvida tão corroída, escolho cantar. Daquele jeito que ninguém sabe se é grito ou felicidade, como o canto dos pássaros presos em gaiolas. Eu sei, eu sei que a imagem que eu passo com tudo isso é de uma depressão isolada por montanhas altas sem lago nenhum por perto para fazer a paisagem bonita. Mas não é bem assim. É só a futilidade dos sentimentos e a falta de cotidianidade que me incomodam. A sensação em si não é nada desagradável.

Outro dia eu vi flores nevarem em plena primavera. Apesar desse calor insuportável que vem fazendo em São Paulo, os pequenos flocos amarelos caíam com frequência tão regular que eu poderia deitar no chão pintado de laranja e fazer um grande boneco de flores. Ou um buquê de mortes. E entenda: era bonito, mas tão incrivelmente bonito, que a tristeza da queda inimaginavelmente sumiu, evaporou, se apagou, e ficou só isso: flores. neve. concreto. sol. e um pouquinho de vento ao fundo.

Talvez a minha vida agora seja assim também.

E isso não é, de modo algum, uma reclamação.