Maria, vá com as outras! Maria foi com as outras?
É tão engraçado como as coisas hilárias hão de ser.
Eu olho ao redor e vejo só olhos. O resto pouco me importa, os olhos é que realmente transmitem tudo que se pensa. É... Num segundo você está ali, fazendo um resumo de química inorgânica e depois você é o resumo. Não sei dizer. As coisas são assim para mim: devo ser meio imaterial, como uma alma viajante. Um espírito que incorpora até numa formiga.
E aí tenho que esperar minha colega me trazer de volta ao mundo quando chamam o meu número na chamada. 25. Maria, sim, esse é meu nome. Embora eu prefira pensar que não tenho um. Sei lá, é como ser uma figura transparente no meio de um mundo de cor. Extremamente reconfortante, isso de não ser ninguém, apesar de às vezes doer um pouquinho no fundo do nariz e ouvido e coração também. Cheiro de solidão, sei lá, incomoda.
(Mas nunca dói nos olhos...)
Lixar as unhas enquanto o professor comenta algo sobre pontes de hidrogênio. Em geral é assim que eu vejo a vida, como unhas prontas para serem lixadas: perder o excesso. E nem digo aquela coisa de ser simples, não. Quero dizer mesmo é que se a sua bolsa pesar demais, dói para carregar. É assim: os livros de física hoje, amanhã os de geometria.
Ou seja lá quais forem suas matérias favoritas.
Nunca sei muito bem onde quero chegar, mas acho que é o fardo de ser Maria. As coisas acontecem para Marias. Embora o que mais me rodeia é um nada grande e gordo, mas que eu não posso tocar. O que eu posso dizer? O nada acontece. O nada também acontece. Ou desacontece. Tanto faz: rodeia. Rodeia a mim e a todo mundo. Só me pergunto se eles também vêem... Devem ver, devem ver.
Mas não sou triste, não. Acho que nem frágil sou. Onde já se viu Maria fraca? Maria é nome de raça. (Às vezes eu esqueço que não tenho nome, perdão...) Ora, se fosse Mariana, ou Marina, com aqueles pingos de delicadeza em graxa, bem, aí sim eu poderia tremer os joelhos diante daquele menino que conquista qualquer uma. Mas não. Eu não sou Mari(a)na. Eu não sou ninguém não.
Gosto de ganhar flores. É só o que consigo pensar enquanto as meninas (de quem nem tenho tanta proximidade assim, mas fazer o que... Não consigo ter intimidade com pessoas íntimas, não) me convidam para ir ao shopping. Não sei muito bem o que uma coisa tem a ver com a outra, mas de repente tudo que passa pela minha cabeça resume-se em lírios e cravos. Quem sabe quando eu chegar em casa e fazer um colar de flores pra mim, que nem aqueles das havaianas...
Bem, eu aceito a proposta de almoçar naquele restaurante com fama de saudável, sabendo que deve ter mais calorias que o McDonalds. Sabe, nunca me preocupei com o meu peso, mas estou sempre com um pé na balança. Vai ver que é assim que eu tento apagar meu nome, deixar de ser Maria para ser que nem as Marinas ou Marianas. Vai ver que é assim que eu faço meu cabelo ser mais bonito. Vai ver que é assim que eu me encaixo...
Ainda estou pensando em copos-de-leite. Mas já não sou mais nenhum resumo de química.
E isso é tão triste, como as coisas hilárias sempre são.