Carta Resposta
De dentro de mim, numa noite sem efeito qualquer.
Psiu,
Como prefácio, apenas basta-me explicar o motivo de minhas palavras serem tão chorosas. Através do meu chá ― que infelizmente não é verde ―, elas bóiam por um instantinho e depois insistem em se afundar e não nadar até a outra borda, como eu as treinei. Minhas palavras hão de ser resistentes, vê, mas de algum modo elas continuam falhando diante de você, assim como eu fraquejo diante da vida. Por isso, hoje estão de luto. Porém peço que não se preocupe com elas, eu sei como fazer com que melhorem. Para isso, entretanto, você precisa estar longe. E, agora que lhe escrevo, você está tão soluçantemente perto... Bom, isso é assunto para mais tarde. Explicado a dor da minha fala, acaba aqui. Isso, fim do parágrafo.
Talvez agora seja a hora de me introduzir propriamente: olá! Olá, meu amor bobinho como a mais boba das amoras (que nem são tão bobas assim). Como andam sendo seus dias agora que eu não sou mais parte deles? (Não, risca isso, soou irônico demais). Como vai você, então? Espero que tudo por aí esteja ensolarado e bonito, do jeito que você gosta. Com gostinho daqueles doces peculiares e cheiro de perfume de mulher (porque os de homem não ruins em demasia). Aqui ficam reticências para você preencher com a resposta, mesmo que eu não vá ler. Apenas para que você me mande forças, mais pela força do pensamento, mesmo: ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
A escola vai bem. Pelo menos quando eu não vou para lá. Não me repreenda por faltar. É por um bom de livros motivo, apesar de tudo. Sei que você ainda acredita que distrair-me só faria bem a mim, mas é impossível ficar naquele lugar. De qualquer forma, continuo alimentando meu cérebro, com coisas mais úteis que matemática e geografia, como a leitura que conseguem me transportar para algum lugar maior e mais bonito ― algum lugar onde há você, me espiando do cantinho da página. É assim que tenho passado meus dias, em sua maioria. Lendo livros e tocando piano. Ou tocando livros e lendo piano, vai saber. Cabe a você decidir. Muitas coisas na minha vida é você que decide, meio sem consentimento, decide pela memória ou nas memórias bonitas que passamos. É, acho que é isso. Vê, há em mim confusão demais para que eu entenda o que eu mesma quis dizer. Espero que você consiga me decodificar e ver através das simples palavras. Há muito mais que letras entreletradas e entrelaçadas nisto aqui. É algo grandioso demais... E doloroso, também, conseqüentemente; pois quiçá todas as coisas grandes sejam doídas.
Tomo meu chá, adoçado com mel e não com açúcar, na xícara mais bonita que há de haver. Vou descrevê-la aqui, só para dar uma amenizada nesse clima intenso e mórbido que eu não quero para nós dois. O corpo é branco, com exceção da borda de um dedo indicador (um dedo meu, menor que o seu, claramente), que é verde clarinha. Há uma listra dourada como o ouro depois dessa borda, seguida de uma segunda listra, menorzinha. Logo abaixo disso, há o desenho de flores. A maior, e do centro, é amarela com centro marrom, outras duas são azuis e há também uma rosinha por trás. E, interligadas as flores principais por um galho, do lado esquerdo, há outras duas flores rosas, gêmeas. Do outro lado, existe um desenho semelhante, porém mais primitivo e com apenas três flores ― a central, amarela, a esquerda, azul, e a da direita, rosa. O que mais me fascina sobre ela é que há outras quatro exatamente iguais a ela. Essa coleção pertencia à minha bisa-avó, de modo que só posso tomar chá nelas “escondido”: minha mãe finge que não vê, confiando na minha paixão por objetos simples e bonitos, mas fica de olho para que eu não quebre. Bom, não posso fazer nada quanto a isso.
Agora que o clima é mais ameno, quero que saiba de algumas coisas. É importante que desconsidere quantas vezes elas foram ditas antes e simplesmente imagine que foram criadas em minha mente ― ou ainda em meus lábios, como se eu não tivesse pensado milhares de vezes num jeito melhor de dizer isso e elas tivessem apenas brotado, por impulso. Bem... Deixe-me respirar fundo, um segundo. (Suspiro). Agora vamos. Se eu canto melhor, é por sua causa, sabia? É porque eu me tranco no espelho e no banheiro e pratico, fantasiando com o dia em que eu vou lhe confessar na minha voz arrastada todas as coisas que escrevi ditas nas palavras rasas de outras pessoas. Bom. É. (Suspiro, suspiro, suspiro). Vou continuar: há cortes em mim. Há cortes que eu mesma aperto, cortes que doem por minha causa. Não se importe tanto com eles, entenda que, se não há mais, é porque você me anestesia e faz eu não causá-los mais. Se eu fumo maços e maços de cigarros, pelo menos fumo de algum mais fraco, por amor ao meu pulmão, porque vai que você precisa de um transplante, não é? Venho tentando me amar mais para que você consiga fazer isso também.
E eu não sei dizer se estamos mais próximos ou mais distantes com toda essa chuva de granizo que vem caindo sobre nossas cabeças. Só consigo confirmar comigo mesma que eu continuo pensando em você quando fico bêbada e continuo tendo alguns desvios amorosos no meio na aula de história porque algo que a professora disse lembrou-me vagamente você. E a ausência, por mais que comparada à existência eterna do universo, pareça extremamente minúscula, ela dói. E eu estou a chutando para longe. Você quer ficar perto de mim de novo?
Para o epílogo, quero citar uma das músicas que mais me acalma: “But now I’m confused. Is this death truly you? Do these dreams have any meaning? No, no, I think it’s more like a ghost that’s been following us both. Something vague that we’re not seeing. Something more like a feeling…”. É, estou confusa com a idéia de você ser essa coisa tão escura que me persegue. Mas será que isso não é apenas o espectro das coisas que você ainda não me disse e que eu espero que diga, dos convites que não fez? Talvez. E os sonhos que construímos na areia, será que eles valem alguma coisa? Bom, eu realmente acho que algo bem vago e vazio está perseguindo a gente. Algo como medo. De ambos os lados, de coisas distintas. Mas quer saber? Eu acho que a gente supera. Mas só se for a gente e não mais eu... e... você. Vê?
Com amor e bigode pueril de sorvete de morango,
Aquela que toma café romano.