Minha vermelha e anoréxica insanidade
O céu ficava tão bem em vermelho. Como você.
Acordei antes de amanhecer mais uma vez. O horário que meus dedos tão disciplinados imporam ao despertador perdeu-se no meio do caminho: quatro da manhã e lá estava eu, olhando para dentro de casa como quem olha para fora de si. Ou para um copo de tequila. Ou para ambos.
Ou como quem acorda a tempo de perceber que está se afogando em um único copo. De tequila, de chocolate, de café ou de chá. De qualquer coisa...
Bem, tanto faz. O Sol saía tímida e vagarosamente de seu esconderijo, olhando com um ódio amoroso à Lua que continuava branquinha lá em cima, declarando-se quase que independente. Feminista maldita. Só porque era esburacadinha, assim, tinha mania de preencher a vida alheia com sua presença brilhante. Escandalosa. Tão mulher essa lua... O nosso sol a odiava. O nosso herói também. E eu...
Ah, sim, sim, o Sol. Ele vinha, acenando, sorridente, colorindo o céu, trazendo até mim o seu cheiro que mesmo transparente era vermelho também. Como seus cabelos, caindo em cascata sobre sua pele que se corava à sombra da luz. Escarlate sobre escarlate sobre escarlate. Escarlate em sua essência, vermelho como o seu sangue (de barata).
O céu era ruivo como você e minhas intenções.
O suor tinha gosto de chocolate amargo. Nossos corpos tragados por mim depois das noites que você tanto gostava e que eu já nem me lembro mais. Oh, espere... Você tinha gosto de doce, chocolate doce.
E tudo ia de negro à sua cor numa rapidez imensa que eu, na minha percepção distraída, agarrei a afaguei. Negro, negro e então... Vermelho. Na primeira vez, seu sangue, que adornou tão bem meus lençóis imundos. Depois, seu cabelo. Encolheu, também, antes tão sinuoso e cheio de curvas, como você, como sua cintura. E então, a anorexia, esse bicho papão, vomitando em mim o vermelho. Ficou reta. A doença e você. Por último, seus olhos: o mar negro ou o mar morto se encantando com o céu amanhecido e virando mar de rosas.
Rosas vermelhas.
Vermelho. Vermelho. Vermelho!
O Sol me cega enquanto vem, assim como você me calou tão bem e fixou meu olhar numa letra só. E eu escrevi essa idéia em minhas paredes, rasguei, quebrei... E mastiguei, cuspindo em seguida, qualquer outra das 22 opções. Eu optei por você.
Se eu pudesse escolher uma cor para o meu futuro, seria o preto. De luto pela sua bicoloridade e porque preta era sua inocência tão travestida em suas roupas simples e que eram um pouco apertadas demais.
Hoje, executiva, arruivada, magra demais, sã. E ruiva.
E eu aqui, com minha vida e minha lua de queijo, faltando pedaços que eu mesmo rasguei. Faltam-me o a, o c, o f... Até o p! O p que sempre me agradou tanto. Você não quer vir comigo, moça? Arrancar fora as nossas veias porque elas contêm esse vermelho impuramente imaculado?
Eu preciso ver de novo, eu quero quebrar meus óculos. Rasguei os lençóis mas o sangue não volta mais a você. Quebraram-te mas eu não volto a ser negro.
Você não quer comer? Por favor, sirva-se de você antes que os abutres o façam. Já cheira mal, já cheira a vermelho...
Deusa, deusa, deusa, ah, meu Deus, moça! Você não quer vir ao inferno comigo?
Dizem que lá se pode queimar e pode-se completar até mesmo o segundo grau. Eu nem fechei o fundamental, você não quer me ajudar? Conheço o lugar, seu sexo me arrancou de lá, me fez levitar e logo depois me soltou, pois meus dedos não tinham força para manter-me preso a você...
E eu não sei voltar. E eu não sei te voltar. E eu não sei ser você.
Ah, socorro, você não quer ser meu inferno, por favorzinho? Eu não agüento mais essa porra de Lua e muito menos o fedor dessa cor de merda.
Chame a ambulância, se você ainda tiver meu número no celular. E dispa-se.
São cinco da manhã e no espelho, o Sol continua a pintar o céu. Estou voltando ao preto. Por bem ou por mal.