Violãozinho
Não chore, não, menina!

Não se lamente só porque seu rostinho miúdo não é marcado delicadamente com sardas. Ah, as sardas! Cicatrizes pequeninas assim, mostrando ao mundo que até mesmo na inocência já se passou pelos mais diversos trilhos de trem e ― quem sabe, se tiver sorte ― até mesmo de metrô. Sei que você acha que ser lisa é maçante a até mesmo doa no olho de quem vê, mas você, ah, você...

Garota, eu sei que você pula amarelinha de trás para frente. Talvez você ache que é melhor começar com tudo e chegar ao nada somente no fim. Ou você pode pensar que o que você tem agora é o céu e daqui a uns anos, depois de pular o número um e pegar a bolinha de papel, sua entrada seja consumada no inferno.
Talvez você já tenha ambos no quintal da sua casa e nem saiba.

Vi você outro dia, andando de bicicleta com rodinhas porque acha que é muita crueldade separar os pneus de seus filhinhos. Crueldade é separar assim você das sardas, não é, pequena? Sei que você as quer. Mas com o tempo, se você me permite sugerir, o Sol de queima e rouba-te essa palidez. Quem sabe não deixe até marcas.
Embora eu ache que assim você parece com o leite recém-tirado, a quentura e natureza máximas existentes nesse mundinho que nem eu e você conhecemos ainda. Tão lindinha.

Psiu, acha que eu não sei que você passa com sua mãe na lojinha ali e observa a caixa de música, tristonha? Em forma de coração, em forma de clave de sol, em fora de animalzinho. Tudo pequeno o bastante para caber em minha mão, quem sabe até na sua, pequena! Já pensou? Você se esconde atrás das pernas de sua mãe, assustada com a grandiosidade daquelas notas, mesmo que fosse só o Pour Elise. E nos seus olhinhos castanhos e pequenos, pensa que queria ter corpo de caixa de música, cabelos voantes como aquela bailarina guardada lá dentro e língua daquelas notas tão iguais, sempre as mesmas.

Ô, não sofre não! Ou ao menos sorria ao lembrar que essa aqui, de nariz arrebitado e metido a poeta, também não tem sardas e nem dedos de violino. Olhe bem para ela e pergunte para você mesma, pequenina, se você já não as tem.

Porque eu já vejo três ― se eu prestar atenção, até quatro ― cordas nos seus olhos tão bobamente castanhos, do tom exato do pinho.