Iligível 

Dos poetas, arrancastes o brilho para enfeitar teus mimos. Ou ao menos eu ouvi assim, soube assim. Sobre olhos tão castanhos como o amado filtro do cigarro. Com as mesmas manchas ― falhas esbranquiçadas no meio de cor tão peculiar, dizendo-me claramente que falta-te algo. 

E faltava mesmo.

Obviamente eu preferia quando óculos adornavam teu rosto e disfarçavam os traços bruscos e desagradáveis de teu nariz. Armações azuis caiam bem com sua pele não tão clara e as lentes grandes distraiam-me um bocado da porcaria das manchas. Arrisco-me dizer que elas eram até depressões em tua íris. Pois, ao menos para mim, encontravam-se níveis e níveis abaixo da plenitude daquela planície da cor de terra seca. Furtavam-te o sorriso invisível que eu nunca achei que encontraria em alguém vindo de tão longe assim. 

Encantavam-me teus olhos. 

O branco que denunciava um passado regado a Rivotril, escondido também em teus dentes do mesmo tom, somente tinha uma pontinha de presença. Quebrada, ainda, como uma criança que derruba ao chão o lápis e recoloca sua ponta na tentativa de ignorar o erro e engrupir a si mesma.

Transferindo a culpa. Culpa que era muito tua, dos cigarros e de teus olhos. 

Hoje em dia, aprisionas as incertezas num vidrinho gelatinoso que se assemelha e se funde tanto com a vaidade. Mole e enganoso. Ah, nunca foste belo, oh não!, mas era tão mais teu quando usavas azul.

Tuas falas eram até admiráveis, mas o que me matava mesmo era tua caligrafia. Não era desenhada como as dos livros antigos, nem ao menos era quadradinha e eletrônica. Eram letras no real sentido da palavra. Em vários pontos aglomeravam-se letras umas nas outras, um e se fazia de i, os se travestiam de as, tornando tudo irreal. Ilegível.



Quiçá fosse justamente isso que me fizesse tão fascinada por suas letras inconstantes. Subiam e desciam como numa dança, ignorando quaisquer passos clássicos. Rs erguiam-se imponentes na sombra de uma vogal de tamanho normal, crescendo, gritando. Maiúsculas, denunciadas pela forma, muitas vezes não chegavam ao tamanho que algumas letras minúsculas atingiam sem esforço. Era tão alma tua letra que se fez a(l)mar.

Era tão eu aquilo tudo que meu amor próprio renasceu.

E ali, percebi: faltava-te não a felicidade, mas o contentamento.