Sobre çapos
Sapo. Havia um sapo no jardim. Era pequeno, talvez fosse uma rã: não sei diferenciar. Ele me olhou, com aqueles olhos engraçados. Deveria estar computando o quão perigosa eu sou, imagino eu. Se eu soubesse, poderia dizê-lo, mas seria uma tarefa um tanto difícil e inadequada. Primeiro, eu acho que ele não entenderia essa linguagem complicada que nós, pessoas, criamos para dizer o indizível. Segundo, talvez ele tenha que descobrir sozinho. Venho chegando à conclusão que avisar as pessoas sobre nossas personalidades é um tanto quanto errado. Elas hão de explorar e descobrir isso por inteiro. Muitas vezes me enganei, querendo avisar, alertar que eu era um erro perdido, embrulhado em papel celofane e deixado no meio da estrada.
Adiantou? Desembrulharam mesmo assim. E descobriram, aos poucos, que eu estava certa. Depois bastou a mim novamente ser embalada num papel, floral e mais bonito, para enganar a próxima vítima. Bem, acho que me não devo mais avisar às pessoas que só meu embrulho é bonito.
Por isso não contei ao sapo. Deixei que ele pulasse e fizesse aquele barulhinho engraçado sem qualquer intervenção minha. Nem ao menos me mexi, continuei bem onde estava. Ele me fitou, uma fitada curta demais para mim mas decerto longa demais para um sapo, e se afastou. Pulou para longe. O motivo? Não sei. Talvez ele já tivesse me desembrulhado. Quiçá sapos sejam mais rápidos nisso do que humanos. Talvez ele tenha tido medo por sermos diferentes em demasia. Ou, ainda, pode ser se assustado por nossa insignificância ser exatamente a mesma. Somos iguais. Eu e o sapo.
Entrei novamente em casa e comi um pedaço de queijo derretido. Isso me lembrou o sapo, apesar de ele não ser rato. Ou talvez ele nem tenha saído da minha mente, de qualquer forma. Çapos são difíceis de esquecer, principalmente esses sapos com olhos de raio x que nos despem em uma coaxada.
Hoje eu quis começar uma palavra com cê cedilha. Não sei por que essa minha vontade de impossível surgiu. Vontade de ser livre, ser livro, ser eterna. De ser selvagem. A verdade é que sou humana, e isso é a coisa mais triste que pode haver para alguém que é igual e diferente de um sapo ao mesmo tempo. Sei que é impossível para mim voar, pelo menos nessa sociedade que não vê que ser humano não é melhor que não ser nada. Não é fácil ser alguém quando ninguém, nem mesmo eu, sabe a diferença entre um çapo e um sapo. Ainda bem que regras ortográficas são bem mais fáceis de quebrar.