Não sou conhecida por bons conselhos mas confiem nisso, queridos.
L.,
Perdoe-me pela condição deplorável em que me encontro. Releve os sorrisos que não dei hoje e faça vista grossa a meu cabelo despenteado e minhas unhas por fazer. Sei que você não aprecia nada disso, sei também que minha boca machucada pela pressão constante dos meus dentes e lábios lhe enojariam. Perdão. Perdão. Perdão.
Escrevo porque hoje preciso de você e lhe encontrei ontem à noite. Num sussurro e numa voz, numa face engraçada e num pedido impossível. Porém isso é assunto para outro momento! Agora cabe somente a explicação do porquê de manifestar-me depois de longos anos (segundos) de silêncio: eu preciso de você hoje. É isso, pura e cruelmente isso, com perdão da expressão tantas vezes repetida antes, também. Espero que seja compreensível a falta que você me fez... E fez! Eu sempre gritei aos sete mares com todos seus milhares de peixes que eu não precisava de você, L., mas... Ó, quem eu enganei? Talvez os camarões, já que eles são pequenininhos e vermelhinhos e já passaram do ponto onde podem engolir mais coisas. Porém com certeza seriam os únicos...
Mesmo peixes não acreditariam em mim. Tão enorme e inocente mentirosa que sou...
Junto com esse ramo de confissões, mando-lhe flores para perfumar seu cabelo, querida L. Perfume-se hoje a noite e vista-se como se fosse a mais bela das damas, por mim. É por bem, é por poupar outros da dor do abandono. Pois quando olho pra você, L., eu vejo que há coisas nesse mundo que parecem palpáveis demais. E você é uma delas. Mesmo longe, mesmo escura e mesmo doída como você sempre ousa ser, você é tão tocável e pequena e querida e sozinha que... Ai, L. Se os milhares de poetas já não conseguiram descrever você, eu seria capaz? Talvez minha simplicidade te traduza, porque é assim que eu digo. L. é minha porque L. é L., e eu sou eu por causa dela também.
Dá para entender?
Antes que pergunte meu nome, não tenho um. Sou você, sou feita de você. Acho que até amo você! Que contradição, não é? Mas eu sei que você entende, eu sei que você toca com seus dedos morenos até mesmo o menorzinho dos órgãos. Eu sei que você faz a gente tremer que nem pudim. L., quem mais faria uma coisa dessas?
Essa não é uma carta de amor. Esse é um grito abafado de gratidão.
L., não se importe com os insultos que lhe disparam os fracos. É preciso entender que dentro de cada pétala da gente, há você, em todas as formas, em todos os pedacinhos massacrados de carne de que somos feitos. E quem seríamos sem isso, não é? L., você faz o mundo ser mais bonito e os camarões serem bobinhos desse jeito.
Com amor por mim, pelo mundo e por você,
Uma pequena admiradora.