Confissão regada a fluoxetina
enjôo
e tontura
nessa fila
onde as pessoas escolhem se querer morrer de câncer ou de sífilis
a espera pela cura ou pela morte
é mais difícil do que parece

passando mal de fome
sem apetite nenhum
ouvindo músicas agressivas
só pra ver se essa moleza no coração passa

estou ficando doente
e não quero pagar pra ver
a enfermidade se espalhar por meu corpo

a morte vem de qualquer jeito
a questão é: viver de desesperança
ou de
incansável espera?

câncer ou sífilis
os atendentes perguntam
como se o deus deles fosse os perdoar
por aterrorizar mortes de pessoas

e a vida tem diferentes usos, não é?
então por que eu sinto medo de explicar como vivo?
se eu esperava que tudo passasse
com o tempo?
bem, é claro
a questão é que os anos se estendem
e os sentimentos também

no escuro vou me erguer
pensando na minha casa de infância
nas brincadeiras que foram enterradas lá
mas eu nem me lembro
mais
dos nomes dos meus colegas de travessuras

parece tão perto da morte
esse sentimento de podridão
no escuro vou chorar
pensando em todas as oportunidades que estão sendo
desperdiçadas

dormir nua
pensando em como eu queria
recomeçar minha vida num lugar mais bonito
com algumas margaridas, talvez
e quem sabe eles conheçam O Apanhador no Campo de Centeio

ana, ai, ana
não, não volta!
sua companhia é melhor que a solidão
mas estou enjoando
da sensação que fica quando você vem

mas de manhã eu me esqueço
e você sempre volta
como um suspiro entrecortado
como um parque de diversões pegando fogo

eu sei que há mais que isso
ah, há de haver algo
mas é tudo um bumerangue
e não é daqueles bonitos, não
e sem cachorro para pegar o frisbe
fica difícil se divertir