Freqüente como o pôr-do-sol.
Respiro fundo e vamos lá. É assim que funciona em mim: tudo meio quebrado e interligado ao mesmo tempo, como um osso fraturado que só causa dor. E se apertar aqui, dói? Dói, doutor, mas dói em cima. Em cima? Aqui? Não, doutor, dói por cima de mim, dói na aura, dói ao meu redor. Entende, doutor? É como se ser fosse perder peso da alma. Ou pior, ganhar peso. Ganhar o peso de um mundo nas costas, ganhar pessoas ao meu redor que são só indivíduos sem algum valor. Eu quero tocar e ser tocada, ser trocada, ser pisada, mas ser sentida.

Porque assim alguém pelo menos entende que é difícil. E é, doutor?

As reticências são o sinal de que estou certa. Não termino nem começo.  É como tentar abrir um círculo. É como tentar encontrar algum progresso em mim. Volto às cinzas, sou as cinzas, sou eu mesma sem ser alguém. Encontro-me em cada esquina, em sorrisos de estranhos, em pedaços de chocolate e nessas palavras que rabisco. Quero ser a folha, quero receber rabiscos do mundo, confissões obscuras, anseio por saber todos os estranhos que passam e sorriem. O mundo é tão meu, mas eu sou tão pequena. Minha mente me engana, minha fome de vida, minha saudade dos tempos que nem meus são! Como é que se vive assim, doutor? Não dá pra passar um antibiótico ou um remédio para dormir? Aí eu esqueço tudo isso. Ai. Fim do parágrafo. Fim do texto, vai.

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Não, não dá para ficar assim no silêncio. Ainda tenho muito a dizer. Tenho gritos que morrem dentro de mim, apodrecendo na minha garganta, enforcando-me. Eu sou a corda que enforca inocentes, eu sou a dor que deixa outrem insano. E mesmo assim, sou e sou sem culpa. Não sei dizer que meu ser é meu ou se ele é de si próprio, na consciência de que é assim que as coisas são e não posso mudar nada. Entretanto, saber que não me controlo é... Insatisfatório. Doutor, tem como controlar o esse câncer? Quimioterapia, talvez?

Sou o mar que acalma e engole sereias, sou a sereia que encanta e degola marinheiros, sou os marinheiros perdidos em sal e rum que roubam tesouros para ter algum brilho. Não sei definir, não sei escrever, não sei pensar, porém sem esses atos não há como respirar.

Preciso de oxigênio e de monóxido de carbono.

O que é a vida além de um veneno que mata lentamente, doutor? Mas não me venha falar em antídoto, porque não há nada que se compare a sensação de sentir a agulha enfiando e coletando o sangue que há muito tempo já foi... Puro. Hoje o que eu sou? Hoje o que eu quero?

Quero-me. Doutor, isso é amor? O que é isto de perder-me em meus próprios sonhos e pesadelos, mergulhar numa série de TV e sair de lá sem ar? Quem sou eu que me machuco, me estapeio e me tiro a paz desse jeito?

Doutor, me dê uma cura, que eu passo a lhe amar.